Monólogo da meia-idade.

Posto frio em sua poltrona, o velho contemplava as paredes brancas de sua sala feito arte. De olhos forçados, cerrava-os até murchar as rugas de sua face. Ora, ali o tempo se desfazia. Ousou fitar àquele que se estendia diante de seu corpo, um espectro mirim, antro da covardia jovial. Quero dizer, era uma amostra excêntrica de quem saia à revolta com a vida ainda tomada por empréstimo da mãe que, por sua vez, o aconselhava à não causar demasiada confusão nas demonstrações de rua da avenida paulista – por exemplo. E haja confusão! Quanta coragem, moleque quase pelado de tão desinibido. Mas retornava à sua atenção para congelar tal figura. Estava apreensivo, não sabia ao certo se intimaria o bicho com alguma palavra ou, cavalheresco, aguardaria sua gentileza para com uma alma idosa.

Uma rusga que superava quaisquer noventa minutos do mais-puro futebol brasileiro. Sequer Tevez e Nilmar eram capazes de sucumbir uma defesa tamanha. Vieram à tona os momentos de futebol com o pai, quando o time alvinegro era meia-seleção argentina. Que jogadas faziam as pernas corinthianas, por memória e história referidas. Embora houvesse algum ruído naquela transmissão, uma imagem impura e mal-televisionada por seu imaginário, refletiam a sua mais contemporânea preocupação; desaguava a felicidade, efêmera, evocada por passes de M. Mattos e Sebá, na tristeza burocrática despertada das mãos mafiosas de Kia e Dualib.

Era, então, obcecado por política. Assim como todo bom filósofo, um paranóico por excelência. Como um bom velho, sedento por discussão. E fazia vigorar, viu, o esteriótipo dos velhotes enfeitadores de biblioteca, típicos companheiros das poeiras jazidas em prateleiras públicas de uma praça por aí. E o menino! Poxa, quase que esquecera dele. Provocações, pelo diabinho incovadas como feras paleolíticas em covas inexploradas, titubeavam seus parafusos. Certamente, as engrenagens de sua cabeça já não funcionavam em luz de paciência como a do pirralho.

“Ô, garoto”, suplicou, com tom arrogante de quem recusava trinta anos posto, de diferença, entre eles: “seu silêncio me traz saudades de quando os pensamentos ferviam, assim, de emudecer”. Besteira. Onde estavam seus modos? Tampouco era capaz de direcionar-se a um projeto de civilização como o peroba erguido no pé da sua retina. Mas é porque foi sincero, e sentia mesmo a falta do congestionamento das ideias nos tecidos nervosos, gastos e envelhecidos. As sinapses não funcionavam mais como antigamente.

Foi o suficiente para um colapso, ou para um arrependimento catastrófico. Nunca antes havia se arrependido tanto de abrir a boca. Isto porque já era de manhã, ainda às seis desta, e falava sozinho. É quando, de repente, tomba a bigorna da realidade de seus quase-vinte-anos. Já balbuseava, sozinho, como um velho no asilo, ainda tinha guardada uma prova substitutiva para o mesmo dia em que parecia ter enlouquecido de vez. Menino, tsc-tsc, que cousa. Chacoalhou os ossos, vestiu-se, e caminhou, a pé, para o cotidiano. Era, junto da reflexão de loucura – ou projeção neurótica de futuro – parte do percurso rumo ao fim de seu último ano letivo. Finalmente. Ser-a-vir para vir-a-ser.